Uma Tentativa De Compreender Os Antidepressivos E Um Relato Impressionante

Uma tentativa de compreender os antidepressivos e um relato impressionante
© Christopher Furlong/ Getty Images Uma tentativa de compreender os antidepressivos e um relato impressionante 

O consumo de antidepressivos continua a aumentar a nível mundial. Só em 2016, os portugueses compraram 8 milhões de embalagens de antidepressivos, segundo dados do Infarmed. Mas porque a familiaridade não equivale a compreensão, o professor e neurocientista Dean Burnett, autor do livro O Cérebro Idiota, sublinha que a forma de funcionar desta medicação continua a ser obscura e indefinida, pelo menos para a maioria. Aliás, "a questão é mais porque funcionam e não como funcionam", escreve Dean Burnett, na obra que chegou a Portugal, traduzida, em março deste ano.

A propósito do testemunho de Deborah Orr, colunista do The Guardian, que pode ler aqui, o jornal publica um excerto do livro em que se explica este "porque".

A maioria dos antidepressivos aumenta os níveis de neurotransmissores específicos no cérebro. De certa forma, explica Dean Burnett, os neurotransmissores estão para o cérebro como o alfabeto está para a linguagem: elementos básicos de algo muito mais rico e complexo. Portanto, dizer que os antidepressivos aumentam os níveis de neurotransmissores no cérebro é como, compara, ter de restaurar uma pintura clássica e receber como instrução apenas a indicação que "precisa de mais verde". "Onde? Quanto? Em que tom? É demasiado inespecífico para nos dizer algo útil".

O autor prossegue com as comparações para explicar porque a teoria que atribuiu à falta de monoaminas - estruturas nas membranas de células nervosas que funcionam como transportadores de neurotransmissores - a causa da depressão está a ser cada vez mais vista como insuficiente: "Os antidepressivos aumentam a atividade neurotransmissora quase imediatamente, mas os efeitos terapêuticos demoram, normalmente, semanas a notar-se. Porquê? É como encher o depósito vazio do carro e este só começar a andar outra vez um mês depois. Significa que o combustível pode ter sido um problema, mas não foi, claramente, o único problema."

A neuroplasticidade, ou a capacidade de formar novas ligações entre neurónios, é outra das explicações possíveis, uma vez que foi notada uma diminuição desta característica em pacientes deprimidos, impedindo o cérebro de responder de forma equilibrada a estímulos adversos e ao stress. Os antidepressivos aumentam gradualmente a neuroplasticidade, pelo que esta pode ser a razão porque funcionam lentamente - "Não é como pôr combustível no carro, é mais como fertilizar uma planta; demora até os elementos úteis serem absorvidos pelo sistema."

Uma inflamação ou uma atividade exagerada do cortex cingulado anterior são outras possibilidades de explicação para a depressão, nenhuma delas comprovada.

"Basicamente, a depressão não é uma perna partida ou uma constipação", lembra Burnett, sublinhando que os "problemas psiquiátricos nunca são preto no branco". "Parte do problema é que 'depressão' é mais um termo genérico para algo que se manifesta de muitas formas diferentes. É uma perturbação do humor, mas a forma como o humor é afetado pode variar substancialmente. Alguns acabam num desespero negro, outros não querem falar e sentem-se vazios e sem emoções. Alguns (na maioria homens) sentem-se constantemente zangados e inquietos", acrescenta.

"O meu primeiro antidepressivo"

Dada a dificuldade em estabelecer a causa da doença, não será de estranhar que os antidepressivos não funcionem em todos os casos ou em todos os casos da mesma maneira, logo a começar pelos temidos efeitos secundários, que também variam de doente para doente. E se os efeitos terapêuticos demoram semanas a fazer-se sentir, o mesmo não acontece com os efeitos secundários. Foi, aliás, isto mesmo que descobriu Deborah Orr, comentadora política, que relata precisamente a experiência com o seu primeiro Citalopram, tomado a cerca de 90 minutos do início de uma encenação de William ShaKespeare, em Londres.

Os primeiros sinais de que algo se modificava no seu cérebro não tardaram e manifestaram-se à chegada à estação de metro: "Percebi que estava num estado de dissociação extrema, a andar como se estivesse presente no mundo, mas a sentir-me completamente desligada dele. Tinha entrado em modo de autopiloto total."
No caso da colunista, o sintoma foi bem familiar, fruto do seu distúrbio pós-traumático, mas desta vez mais intenso: a dissociação, um mecanismo defensivo que surge em resposta a um trauma psicológico ou, como descreve Deborah Orr, "uma reação de proteção extrema a intervenções insuportáveis do exterior".

O efeito manteve-se nos dias seguintes. O folheto informativo do medicamento, que leu "minuciosamente" antes de começar a tomá-lo, bem avisava que os sintomas que se tentam combater podem surgir mais intensamente nos primeiros dias da toma. Para a colunista, que enfrenta o fenómeno da dissociação como uma forma de evitar ataques de pânico, isto significa que à medida que vai controlando melhor os sintomas de dissociação, vai enfrentando mais ataques de pânico.

Por mais assustador que o relato de Deborah Orr pareça, Dean Burnett conclui: "Com todas as falhas e problemas que possam ter, os antidepressivos são melhor que nada, sobretudo quando a alternativa é uma depressão não tratada."


Fonte: Revista Visão


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