É a DEMOCRACIA, estúpidos !

Nicolau Santos

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 06/07/2015)

A surpreendente e esmagadora vitória do NÃO no referendo de domingo não deixa margem para dúvidas sobre o apoio do povo grego ao seu Governo e ao seu líder, Alexis Tsipras. E a demissão do mediático ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, coloca agora claramente a bola do lado dos outros líderes europeus: se não se chegar a bom porto nas negociações entre os dois lados, dificilmente o diretório europeu não será responsabilizado por isso.

Apetece perguntar: se isto não é o povo, o que é o povo? Contra uma escandalosa pressão de vários dirigentes europeus (Mariano Rajoy, Wolfgang Schauble, Donald Tusk, Martin Schultz, Sigmar Gabriel e Jeroen Dijsselbloen, entre outros), ameaçando com o espetro da saída do euro e que não esconderam a sua vontade de varrer para o caixote de lixo da História o executivo do Syriza e os seus dirigentes, contra a atuação muito discutível do Banco Central Europeu de fechar a torneira de liquidez, obrigando ao controlo de capitais e a limitar os levantamentos nos multibancos a apenas 60 euros, contra o discurso tremendista da oposição interna, em particular da Nova Democracia, contra o possível colapso total da economia grega esta semana por falta de dinheiro, os gregos responderam inequivocamente “Oxi”.

ALEXIS TSIPRAS FEZ A SUA PARTE E, NUM GESTO DE BOA VONTADE, AFASTOU YANIS VAROUFAKIS DAS NEGOCIAÇÕES. FALTA A EUROPA FAZER O MESMO DEMITINDO O PRESIDENTE DO EUROGRUPO, JEROEN DIJSSELBOEN, PARA QUE SE POSSA CHEGAR A UM ACORDO HONROSO E EQUILIBRADO PARA AS DUAS PARTES



Mesmo para os muitos que não concordam com as posições defendidas pelo Governo grego, é impossível não deixar de admirar um povo que pressionado, chantageado, à beira do abismo, decide resistir e recusar de forma categórica as imposições do “diktat” europeu, que insistem em tentar construir a Europa à margem da vontade e da escolha dos povos.

Nesse sentido, as declarações antes e depois do referendo do presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloen, contra a escolha do povo grego são verdadeiramente lamentáveis. Se houvesse um mínimo de bom senso no Eurogrupo, Dijsselbloen deveria ser convidado a apresentar de imediato a sua demissão. Não é possível negociar com quem não está de boa fé, com quem quer impor em vez de negociar, com quem quer humilhar em vez de tentar chegar a um acordo, com quem acha que fazer um referendo é um caminho muito perigoso e com quem considera que o povo grego não tinha condições para perceber e decidir sobre o que lhe era perguntado. Alexis Tsipras fez a sua parte e, num gesto de boa vontade, afastou Yanis Varoufakis das negociações. Falta a Europa fazer o mesmo demitindo Dijsselboen, para que se possa chegar a um acordo honroso e equilibrado para as duas partes.

O passo imediato é agora o Banco Central Europeu (BCE) injetar já hoje liquidez no sistema bancário grego. O BCE tem autonomia das instituições europeias. Não depende das suas decisões para tomar ele próprio decisões. O seu mandato é manter a estabilidade do sistema financeiro europeu e dos seus 19 Estados-membros. Ora isso está em risco na Grécia. Mario Draghi não tem de esperar pelo que o Eurogrupo ou os dirigentes europeus vão decidir. Se não cumprir as obrigações do mandato para que foi eleito estará a tomar partido pelo lado mais forte e a abrir um precedente relativamente à independência do BCE.

Uma última nota para vários comentadores habituais de centro-direita das televisões nacionais: estupefação, incredulidade e desânimo era o que se via nos seus rostos. Nunca lhes passou pela cabeça que fosse esta a resposta do povo grego. Esqueceram-se das palavras de Churchill: “antes dizíamos que os gregos lutaram como heróis. Agora dizemos que os heróis lutam como gregos”. Para todos eles talvez valha a pena parafrasear uma frase célebre da campanha eleitoral que levou pela primeira vez Bill Clinton à Casa Branca: é a democracia, estúpidos!

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